Criar um Site Grátis Fantástico
O perigo também mora dentro de casa
O perigo também mora dentro de casa

Vocês conheceram o caso do Whiskey, um cão que sobreviveu a picada de uma cobra altamente venenosa (Cobra Coral)? Por incrível que pareça, essa cobra vive em nosso quintal, para quem vive no estado da Flórida. Embora bem próxima de nós, o risco de picada não é tão grande quando comparada à outras cobras da região. Mas mesmo juntando todas as cobras, o número de casos reportados e o índice de fatalidade não chega nem perto do assunto desta edição. Desta vez, o perigo está dentro de casa.

Todos os anos, milhares de cães a gatos são levados para um hospital veterinário por terem ingerido medicamentos para pessoas. A grande maioria dos casos envolve a ingestão de medicamentos para o controle da dor (analgésicos). Ibuprofen (e.g. Advil, Motrin) é o analgésico mais popular nos EUA e um dos principais responsáveis por intoxicação em cães. O Centro de Controle de Intoxicações em Animais dos EUA (Animal Poison Control Center – ASPCA) tem alertado os veterinários de todo o país sobre o aumento do número de casos de intoxicação registrados a cada ano. Em um documento oficial recente, o ASPCA do estado da Flórida registrou 240 casos de intoxicação em um período de 9 meses, sendo a maioria deles letais. Um dos grandes motivos de fatalidade é o desenvolvimento da Insuficiência Renal Aguda (IRA). O centro médico veterinário da Universidade da Flórida, localizado em Gainesville, é um dos únicos do país capaz de realizar a desintoxicação via hemodiálise, diminuindo o índice de mortalidade na região.

Analgésico

Ibuprofen é um ótimo analgésico para pessoas, mas infelizmente é extremamente tóxico para cães e gatos. A dose de ibuprofen que nós usamos para tratar uma simples dor de cabeça pode ser tóxica para cães e gatos. Quando cães ingerem Ibuprofen, eles geralmente obtiveram acesso ao frasco inteiro quando os donos não estavam em casa, muitas vezes frascos novos contendo 100 a 200 tabletes. Recentemente, o serviço de emergência e cuidados intensivos do centro médico veterinário da universidade da Flórida (CMV-UFL), tratou um cão (Lessie) após a ingestão de 180 cápsulas de ibuprofen enquanto seus donos estavam em uma festa de aniversário. Ao voltarem para casa e procurarem por ela, encontraram o frasco de Ibuprofen mastigado, aberto e nenhuma cápsula presente. Lessie foi encontrada no quarto do casal, apática e salivando sem parar.

Os sinais clínicos associados à intoxicação por Ibuprofen variam de acordo com a quantidade (em miligramas por kilograma de peso) ingerida. Podem levar horas para se desenvolverem e por este motivo podem ser controlados com tratamento imediato. Doses pequenas podem causar vômito, letargia e inapetência. A medida em que a quantidade ingerida aproxima níveis mais tóxicos, os sinais clínicos (e.g diarreia com sangue, anemia, dor abdominal e convulsões) ocorrem devido a formação de úlcera gástrica, sangramento intestinal, problemas de coagulação e envolvimento do sistema nervoso central. Com o aparecimento destes sintomas, o risco de vida é grande mesmo já estando hospitalizados.

No caso da Lessie, os donos ligaram imediatamente para o ASPCA e foram instruídos em como induzir vômito em cães para eliminar qualquer cápsula ainda não absorvida e levá-la para um hospital veterinário de emergência. Qualquer situação onde existe a suspeita de ingestão de algum medicamento humano, não somente Ibuprofen, requer atenção veterinária imediata. O recomendado é ligar para o ASPCA e seguir as recomendações imediatas de desintoxicação em casa e levar seu cão ou gato para uma clínica de emergência para hospitalização e tratamento de suporte.

 

Dose letal

 

Ao chegarem no CMV-UFL, os sinais vitais de Lessie estavam deteriorando, ela foi colocada em soro e medicação intravenosa. Um teste preliminar para identificar IRA foi feito e acusou valores elevados. Neste momento, os donos de Lessie foram informados que a quantidade de Ibuprofen ingerida estava muito acima da dose letal e ela já estava desenvolvendo IRA. A única chance de salvá-la seria realizar a desintoxicação via hemodiálise, e mesmo assim ela corria sério risco de não sobreviver.

Muitos cães e gatos intoxicados sobrevivem quando tratados logo no início dos sintomas. O grande vilão responsável pela alta mortalidade, como dito anteriormente, é a IRA. Infelizmente a IRA ocorre sem aviso e independentemente da dose ingerida. É por este motivo que se recomenda desintoxicação através da hemodiálise. A hemodiálise é feita com o uso de um filtro especial que remove a droga da circulação sanguínea antes que cause falência renal.

Felizmente o tratamento foi feito e Lessie respondeu bem, sendo liberada para casa após 5 dias de hospitalização e duas sessões de hemodiálise. Infelizmente, Lessie representa a minoria dos casos tratados no país. O acesso à hemodiálise para animais é ainda remota nos EUA (apenas 5 centros no país todo, um único centro no estado da Flórida inteiro). Por este motivo, não devemos contar com a sorte.

Tenha certeza de tomar todos os cuidados para tornar a sua casa um ambiente seguro para seu cão ou gato. Caso tenha dúvida do que fazer para reduzir os riscos de intoxicação, converse com o seu veterinário e siga suas orientações.

 

* Este Texto faz Parte da Coletânea do Dr. Luiz Bolfer e todos os textos das páginas da PetLine foram publicados em Colunas, Saúde Animal por Dr. Luiz Bolfer. 
Dr. Luiz Bolfer formou-se em Medicina Veterinária no Brasil e mudou-se para os Estados Unidos para se especializar em Cardiologia, Emergência e Cuidados Intensivos em cães e gatos. Completou 12 meses de Internato em Clínica Médica e Cirúrgica Veterinária na Universidade de Illinois. Atualmente é Residente em Emergência e Cuidados Intensivos no Centro Médico Veterinário da Universidade da Flórida em Gainesville.